Por Leonardo Gonçalves
Vejo em nossos dias certa preocupação em alguns pastores – principalmente a liderança mais jovem – em estabelecer para o futuro uma igreja que entenda e respeite as diferenças culturais, promovendo um intercambio cultural sadio. A preocupação com os temas sociais também aumentou, e o eco de Lausanne ressoa timidamente no Brasil, com três décadas de atraso. Finalmente, visionários começam a enxergar a possibilidade de termos uma igreja que expresse o amor de Deus aos homens de forma plena, prática, integral.
Neste caminho, porém, há certos riscos que precisam ser evitados, para não cair na cilada de, neste afã por ser relevante, acabar assimilando tudo de ruim que o secularismo e o pós-modernismo gerou. Dentre os perigos que encontramos neste emocionante caminho, destaco alguns que são os mais comuns:
O perigo do relativismo
Talvez a maior mentira que a sociedade pós-moderna inventou, seja a idéia errada de que não existem verdades absolutas. Aliás, a própria afirmação de que “não há verdade” é uma contradição óbvia, pois quem afirma que não há verdade está dizendo que “a verdade é que não existe verdade!” Toda verdade é absoluta, e nem adianta torcer o nariz para isso, pois os seus (e os meus) sentimentos em relação à ela não poderão jamais modificá-la.
Quer a gente goste ou não, precisamos admitir uma coisa: O cristianismo é uma religião dogmática. Ele é absolutismo puro, e quem quiser negar isso tem que fazer as malas e partir para outra trincheira!
Jesus foi dogmático quanto ao conhecimento de Deus. “Ninguém conhece o Pai senão o Filho, e aquele a quem o filho quiser revelar” (Mt 11.27). O homem pode espernear, teologizar o quanto quiser, filosofar, mas o conhecimento experimental/empírico de Deus sempre será uma verdade revelada. Tal conhecimento é um ato monérgico, obra da livre graça de Deus.
Jesus foi dogmático quanto ao caminho para chegar a Deus. “Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim” (Jo 14.6). O uso do artigo definido dá ainda mais peso a esta afirmação.
Muitos têm defendido a idéia de uma expiação universal, dizendo que “Deus vai salvar todo mundo, independente da sua crença”. É incrível como os crentes pós-modernos estão ficando semelhantes aos católicos de antigamente: “não importa o que você crê; o que vale é ser sincero”, dizem. Que mentira mais escrachada! E dita por um cristão, é ainda mais dissonante. Jesus disse que “estreita é a porta e apertado o caminho que conduz à vida” (Mt 7.14), e quem não entrar por ela, por mais “bonzinho” que seja, não pode achar Deus.
Jesus foi dogmático quanto a natureza do pecado. “Todo aquele que comete pecado é escravo do pecado” (Jo 8.34). Para Jesus, o pecado não é um “vacilo”, e sim um vício escravizador! O inclusivismo, nova tendência teológica que apregoa a conivência com o pecado, é invencionice nossa. Todo pecado é contra Deus, e só é perdoado mediante confissão e arrependimento.
Jesus foi dogmático quanto à possibilidade do homem produzir sua própria salvação. “Ninguém pode vir a mim se o pai que me enviou não o trouxer” (Jo 6.44). Essa é uma afirmação absoluta, exclusiva, dogmática. Só Deus pode iniciar em nós a salvação, e qualquer outra fórmula no que tange a este aspecto é conversa fiada.
Não sacrifique as verdades absolutas do cristianismo no altar do relativismo religioso. Defenda com ousadia as verdades do evangelho, mesmo que isso não faça de você um “cara legal”. Não dá pra relativizar uma fé dogmática como o cristianismo. Ou bem aceitamos o que Cristo diz, ou então largamos mão de tudo em nome da “tolerância”.
O perigo do secularismo
Secularismo é uma cosmovisão baseada nos valores humanos. Dentro da religião, o secularismo é aquela influência doutrinal centralizada no homem, que se opõe diretamente aos conceitos estabelecidos por Deus. Segundo o coloquialismo “crente”, secularismo é o mesmo que mundanismo.
As correntes seculares sintetizam o conhecimento humano e baseiam nele todas as suas conclusões; o cristianismo, no entanto, depende da revelação. É fato que muitos cristãos, por medo de “contaminar-se” com as idéias de seu tempo, se afastam de todo conhecimento secular. Filosofia, psicologia, sociologia, todas estas ciências ainda são “coisa do capeta” para muitos evangélicos. Isso é um fanatismo burro! O conhecimento científico é importantíssimo, e de muitas formas podem servir de auxilio ao apologista cristão. Como diz Philip E. Johnson, “a bíblia bem compreendida e a ciência bem explicada, não são excludentes” (ad tempora). Contudo, precisamos ter sempre em mente que o nosso livro texto é a Bíblia. Muitos pregadores têm deixado a bíblia de lado, e hoje “pregam” segundo a cartilha humanista. Em cada mensagem, abordam as principais descobertas da ciência, enchem seus sermões com citações de textos acadêmicos, e acabam olvidando o mais importante, a Palavra de Deus.
Apesar da grande importância das ciências para a humanidade, ninguém vai ser salvo pela filosofia, pela psicologia e – entenda bem – nem pela teologia! A fé vem pela proclamação do evangelho (Rm 10.17). Arrependimento, fé e vida com Deus são pautas muito mais importantes do que qualquer epistemologia humana.
O perigo do liberalismo teológico
Outro grande erro no qual não se pode incorrer, é o de abraçar a teologia liberal. Muita gente ao ler isso vai me criticar, me chamar de quadrado, mas a experiência tem se encarregado de demonstrar que a maioria dos crentes que bajulam os teólogos liberais, não conhecem muito sobre o tema, e apenas repetem como papagaio aquilo que algum dia ouviram destes modernos discípulos dos saduceus.
Em termos práticos, o liberalismo teológico (para quem não o conhece) é uma corrente teológica que, no afã de alcançar relevância social, abriu mão de verdades inegociáveis do cristianismo. A teologia liberal se opõe, quase sempre frontal e preconceituosamente, a toda manifestação sobrenatural. Um dos maiores teólogos liberais que já existiu, Rudolph Bultmann, negou a veracidade dos milagres, interpretando-os apenas como narrativas míticas. Paul Tillich, aclamado por muitos modernistas como o maior teólogo de todos os tempos, dá a Deus uma conotação vaga e impessoal. Jesus, segundo sua cosmogonia liberal, possui apenas valor simbólico.
O mais engraçado, no entanto, é que esses caras foram movidos por um sentimento muito nobre. Assim como muitos jovens de hoje, eles queriam achar uma forma de relacionar a mensagem da Bíblia com as necessidades do homem moderno, mas acabaram se perdendo no caminho. Este liberalismo tem ressurgido em nossos dias, quase sempre embrulhado no pacote “emergente”. Brian McLaren, um dos porta-vozes do movimento de igrejas emergentes, é um exemplo prático do que estamos falando. Sua “Ortodoxia Generosa” é muito mais generosa que ortodoxa. Totalmente influenciado pelas tendências relativistas e pelo conceito pós-moderno de tolerância, este autor – talvez inconscientemente – tem prestado um grande desserviço ao cristianismo.
O perigo do politicismo
É claro que o cristão não deve ser uma criatura alienada. Apesar de termos uma identidade celestial, ainda estamos na terra, e com o nobre dever de ser sal e luz, influenciando e promovendo mudanças neste sistema decadente. A preocupação com temas políticos, bem como o descontentamento com a má distribuição de rendas e a necessidade de reformas sociais deve fazer parte da nossa agenda.
O grande perigo, porém, é que neste bom desejo de prestar um serviço ao mundo, os cristãos acabem cedendo a um romantismo político que não leva a lugar nenhum, abraçando a bandeira de movimentos socialistas e filosofias humanistas, como se a resposta para todos os nossos dramas sociais estivesse em um ajuste político, e nada mais.
Se no capitalismo o que prevalece é o homem explorando o homem, no socialismo é exatamente o contrário. [Se não entendeu a piada, sugiro que releia em voz alta a frase anterior] É verdade que milhares de pessoas vivem na miséria, marginalizadas, famintas, mas não é mediante acordos políticos, nem votando em candidato evangélico, que vamos solucionar esta equação. Ao invés de encher o congresso nacional de políticos crentes, vamos colocar uma mão no bolso e a outra na consciência, a fim de promovermos, nós mesmos, as mudanças que a sociedade precisa. Agindo assim, não teremos que ficar respondendo aos questionamentos dos incrédulos quando os nossos “homens de Deus” aderirem ao mensalão do Panetone, por exemplo.
O perigo do orgulho geracional
Quando eu era adolescente, tinha uma dificuldade enorme em aceitar os conselhos sábios dos meus pais. Apesar de estar consciente de que eles sabiam muito mais que eu, me recusava a crer que os conselhos deles pudessem ser aplicados aos meus problemas. Os tempos mudaram, eu dizia. Assim, suas asserções [por mais inteligentes que parecessem] eram rejeitadas no final.
Hoje em dia, vejo algo semelhante acontecendo com o cristianismo. Os modernos “descobridores da roda” podem ser vistos por todo lado, e como a maioria dos crentes pouco lê a bíblia (e muitos dos que lêem, o fazem com lentes relativistas/pós-modernistas), acabamos sendo presas fáceis destes teólogos de fundo que quintal.
Estes caras não estão muito preocupados com a herança do cristianismo histórico, nem com as interpretações sensatas dos pais da igreja, nem dos nossos irmãos reformadores. Em busca de uma nova espiritualidade, eles desprezam a herança pietista e reformada, e vão aprender a adorar com os santos católicos da idade média!
Adolescentes espirituais não gostam de ler a bíblia. A maioria deles jamais leu o Novo Testamento completo, mas estão absolutamente convictos de que “A Cabana” é o supra-sumo da revelação! Falta-nos bom senso e humildade para aprender com aqueles que no passado trilharam o mesmo caminho, reconhecendo e honrando estes homens e mulheres de fé.
Concluindo...
Atualmente, há muita coisa boa (e ruim!) sendo escrita neste sentido, o que nos dá a entender que há muita preocupação com a relevância da igreja. Comunidades emergentes têm levado este debate à sério, e algumas igrejas estão conseguindo contextualizar o evangelho sem comprometer a mensagem. A Mars Hill Church, comunidade emergente liderada por Mark Driscoll, é um claro exemplo do que estou falando. Cada vez mais me dou conta de que é possível ter uma igreja ao mesmo tempo bíblica e engajada, teológica e dinâmica, de fé e de obras.
Caminhemos, então, com muita calma, sempre fazendo uma autocrítica da nossa fé. A igreja pode (e deve), através de uma empolgada ação social, conferir dignidade àqueles que se encontram na miséria. Além disso, é nosso dever levar o evangelho para além das barreiras culturais, despojando-nos da linguagem do gueto gospel, acessível apenas para os “iniciados”. Podemos usar as artes de forma positiva, como ferramenta pedagógica, evangelística e inclusiva.
Finalmente, quero deixar um conselho aos emergentes brasileiros, principalmente aos jovens – a minha geração: “não rejeitem o velho apenas por ser velho, nem abracem o novo somente por ser novo”. Ambos, antigo e o novo, só têm valor quando se conformam à Verdade. Tenham cuidado com os “inventores da roda”! A busca de vocês é inteligente e nobre; o conceito de uma igreja “emergente” é necessário. Há muitas coisas que precisam ser reformadas, mas se essa nova reforma tomar o rumo errado agora, vai ser muito, mas muito difícil reencontrar os trilhos lá na frente.
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Postou Leonardo Gonçalves, no Púlpito Cristão e no Apologia do Cristianismo
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