Há alguns anos surgiu uma corrente dentro da teologia chamada de Teísmo Aberto. Segundo os adeptos dessa teologia, Deus não pode prever o futuro de modo infalível, e não existe um governo de Deus no sentido absoluto da palavra. O Deus soberano que sabe o fim desde o princípio é substituído por um deus trapalhão que não pode agir no mundo, podendo no máximo ficar na arquibancada torcendo para que no final as coisas dêem certo como ele havia desejado.
Vários teólogos brasileiros, com sua mania irreversível de importar as sucatas teológicas dos americanos, trouxeram para o Brasil essa teologia abissal, entre os quais destacam-se Ed René Kvitz e Ricardo Gondim. É uma pena que dois pastores tão influentes e respeitados hajam cedido a essa abstração teológica, que conduz à negação da soberania de Deus, negação da onipotência divina e capacidade de agir na história.
No ano de 2006, quando terminei minha dissertação de mestrado, abordei entre outras hipóteses a questão do teísmo aberto. Nessa minha pesquisa, concluí dizendo que a pior consequência que o teísmo aberto traz ao crente, é minar a confiança que temos na bíblia. Na época, alguns colegas acharam absurdas as minhas afirmações, mas hoje eu vejo isso se confirmando nos artigos do pastor Ricardo Gondim. Este, que outrora foi um dos homens mais respeitados no meio evangélico, agora coloca em dúvida a credibilidade das Escrituras como cosequência da sua nova teologia. Em um dos seus mais recentes artigos, o pastor Gondim escreve:
“Esses eventos tenebrosos me levaram a admitir que já não leio a Bíblia com as mesmas lentes. Abandonei a idéia de que os massacres do Antigo Testamento foram ordens divinas. Entendo que os genocídios relatados na Bíblia foram cometidos com as mesmas motivações políticas, com os mesmos interesses econômicos e com ambições nacionalistas iguais as atuais, mas atribuidos a um deus guerreiro”. [1]
Como podemos observar, ele se declarou contra a inspiração de vários textos bíblicos, tais como a conquista de Canaã sob a liderança de Josué, e já não acredita que a conquista da terra, bem como a destruição dos povos que ali habitavam foi uma ordem de Deus, entrando em choque frontal com o que a Bíblia diz. Com respeito à conquista de Canaã e ordem de extermínio dada por Deus no Antigo Testamento, o escritor e apologista cristão Norman L. Geisler diz:
“Os amalequitas estavam longe de ser inocentes. Eles eram totalmente depravados e a sua missão era destruir Israel, em outras palavras, cometer genocídio. Como se isso não fosse suficiente, leve em conta o que estava pesando na balança: Os Israelitas eram o povo escolhido por quem Deus traria a salvação ao mundo através de Jesus Cristo [...] Deus agiu, em última analise, em benefício de cada pessoa ao longo da história, cuja salvação seria oferecida pelo Messias que haveria de nascer entre os judeus” [2]. As razões apontadas para a destruição dos demais povos parece ser a mesma, segundo Geisler. Além disso, não podemos esquecer que essas nações tiveram nada menos que 400 anos para se arrependerem de seus pecados, e eles não o fizeram.
Diferente do dr. Geisler, que aceita a veracidade das Escrituras respeitando a sua inspiração, o sr. Gondim parte para o extremo oposto, seguindo de perto as escolas teológicas menos ortodoxas como a do dr. Bultmann, que se opõe frontalmente à inspiração do texto santo. Leia novamente a frase: “Abandonei a idéia de que os massacres do Antigo Testamento foram ordens divinas”. Ele simplesmente ignora o que o texto diz e claramente se sobrepõe ao texto, transferindo a autoridade da Bíblia para si mesmo.
Os proponentes do teísmo aberto pensam que são os grandes visionários: eles creem que conseguiram enxergar aquilo que esteve oculto durante os cinco séculos de história protestante e durante os dois milênios de história cristã. Estão “crentes que vêem”, e não sabem que tiveram a visão obsurecida pela soberba teológica, e é por isso que agora precisam de lentes interpretativas. Esses teólogos abertos são tão arrogantes que não permitem que Deus seja Deus! Ora, toda alma que existe é de Deus, essa é uma verdade inconteste. Ele mata e ele faz viver (Dt 32.39), e por ele todas as coisas subsistem. Ou nós entendemos isso, ou rasgamos a Bíblia e jogamos ela no lixo, e ponto final!
Sei que o problema do sofrimento humano é um anzol que traz suspenso o coração humano, e que há diversos fatores que nós ainda não entendemos. Mas não é privando Deus de seus atributos essenciais ou negando a veracidade da narrativa bíblica que vamos resolver o tão alardeado problema do mal. Pastor Gondim: Deixe Deus ser Deus! Ora, ele “conhece o fim desde o princípio” (Is 46.10) e sabe coisas que nós ainda não sabemos.
Não entendo o propósito de Deus em permitir essa guerra covarde entre israelenses e palestinos, não sei porque Deus não matou Hitler em 1939 e pôs fim ao holocausto e também não sei porque ele não intervém agora mesmo na história e põe um ponto final no sofrimento humano. Contudo, meus parcos conhecimentos bíblicos me fazem enxergar que se existe uma resposta para o sofrimento humano, essa resposta é Cristo:
“Estamos partidos? Ele foi partido, como pão, por nós. Somos desprezados? Ele foi desprezado e rejeitado pelos homens. Bradamos que não agüentamos mais? Ele foi homem de dores e experimentado no sofrimento. As pessoas nos traem? Ele mesmo foi vendido pelo traidor. Nossos relacionamentos mais caros estão partidos? Ele também amou e foi rejeitado. As pessoas se afastam de nós? Esconderam o rosto dele, como [se ele fosse] um leproso. Desceria a todos os nossos infernos? Sim, ele o fez. Das profundezas de um campo de concentração nazista, Corie ten Boom escreveu: ‘Não importa quão profundas sejam as nossas trevas, ele é ainda mais profundo’ [...] Ele foi morto a gás em Auschwitz. Escarnecido em Soweto. Injuriado na Irlanda do Norte. Escravizado no Sudão. É aquele que gostamos de odiar e que escolheu nos devolver amor.[3]
Acerca dessa empatia divina o escritor John Stott, em “A Cruz de Cristo”, escreve o seguinte:
"Eu mesmo jamais poderia crer em Deus, se não fosse pela cruz [...] No mundo real da dor, como alguém poderia adorar um Deus que fosse imune a ela? Já entrei em muitos templos budistas em diferentes países da Ásia e parei respeitosamente diante da estátua de Buda, as pernas e os braços cruzados, os olhos fechados, o fantasma de um sorriso a brincar nos lábios, um olhar distante, isolado das agonias do mundo. Mas cada vez, depois de um tempo, tive de me virar. E, na imaginação, voltei-me para aquela figura solitária, retorcida e torturada na cruz, os cravos atravessando as mãos e os pés, as costelas laceradas, os membros deslocados, a fronte sangrando por causa dos espinhos, a boca intoleravelmente sedenta, lançada nas trevas do abandono de Deus. Esse é o Deus! Por mim Ele deixou de lado a sua imunidade à dor. Ele entrou em nosso mundo de carne e sangue, lágrimas e morte. Ele sofreu por nós. Nossos sofrimentos tornaram-se mais manejáveis à luz dos seus. Ainda há um ponto de interrogação contra o sofrimento humano, mas em cima dele podemos estampar outra marca, a cruz, que simboliza o sofrimento divino. A cruz de Cristo [...] é a única autojustificação de Deus em um mundo como o nosso” [4]
O problema do Mal sempre afligiu o coração e a mente das pessoas sensíveis, e certamente é o nosso amor pelo próximo, fruto de um coração regenerado, que nos leva a refletir acerca da bondade e da justiça de Deus, mas não podemos permitir – sob nenhuma hipótese - que o drama do sofrimento humano nos leve para longe de Deus e da sua Palavra, conduzindo-nos a honrar e servir uma criatura caricata, um “deus menor” que embora seja bastante simpático, não é o Deus onipotente e soberano, criador de todas as coisas.
“Lembrai-vos das coisas passadas desde a antiguidade: que eu sou Deus, e não há outro Deus, não há outro semelhante a mim; que anuncio o fim desde o princípio e, desde a antiguidade, as coisas que ainda não sucederam; que digo: o meu conselho será firme, e farei toda a minha vontade.”
Bibliografia
1. GONDIM, Ricado. Gaza e as lições que eu aprendi
2. STROBEL, Lee. Em defesa da fé, p. 165
3. KREEFT, Peter. Apud STROBEL, Op. cit., p. 68
4. STOTT, John. A cruz de Cristo, p. 32
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Fonte: Pulpito Cristão
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